Era mais um dia tipicamente autunal e eu descia distraidamente as escadas de acesso ao parque de estacionamento, quase que sonambulamente, quando de forma repentina tive a precognição de algo familiar.
Acordei daquele sono mecânico e habitual e deparei-e com uma voz e um rosto que tanto me marcara nos meus 15 anos. Tratava-se da minha mestre e querida professora de Português, que de imediato me reconheceu, mas que deixara de ver há mais de 20 anos.
Ela continuava com aquele sorriso enternecedor, pele branca, mas um pouco entorpecida, naturalmente pelo passar dos anos. Vi nela, no entanto, alguma consternação e tristeza que não consegui de imediato perceber, mas que aquele reencontro e a troca de palavras me fez alcançar.
Era dia de greve geral dos professores e nesse dia, sem querer, fiz renascer a esperança de uma mulher que tinha dedicado, de forma exemplar, toda a sua existência ao magistério.
Perguntou-me qual o meu percurso, porque me perdera o rastro e ficou orgulhosa com o que lhe ia contando.
E nesse dia tive finalmente a oportunidade de lhe agradecer e prestar a devida homenagem, ainda que tardia, afirmando que hoje, muito do que era lhe devia.
Que fora com ela, que aprendera, de forma clara, a ler com alma as letras e a passá-las com técnica para o papel.
Que ainda guardava religiosamente os testes corrigidos por si, com as suas notas laterais, assim como os textos que escrevera livremente e que ela corrigira, sem obrigação, mas pelo simples facto de sentir paixão pelo que fazia.
Observei-lhe os olhos, repentinamente, rasgados de carmim e de um brilho que jamais esquecerei, enquanto me dizia, com a voz emocionada, que as minhas palavras tiveram, naquele dia em particular, um significado estrondoso para si e abracei-a, consciente, enquanto me despedia, de que o seu dia ficara, de um momento para o outro, ensolarado.
Esmy