quinta-feira, 28 de julho de 2016

A conversa alheia

Entrei, distraída e absorta nos meus pensamentos, na confeitaria da moda, e sentei-me numa mesa com vista para o mar, enquanto aguardava a disponibilidade, de um dos funcionários, para fazer o meu pedido.

Enquanto, isso, deslumbrava-me com o bater das ondas em espuma branca sob as rochas esverdeadas pelas algas e sem dar por mim, tornava-me numa daquelas alcoviteiras,  a escutar a conversa alheia da mesa ao lado, entre um casal, ele mais fácil de descrever por se encontrar no meu campo de visão e ela sentada lateralmente, de perna cruzada, num belíssimo e discreto vestido, bem a meu gosto, pensei. Ele observava-a, com olhos penetrantes e descrevia ao mínimo pormenor, a história de uma suposta alucinada, que por ele se apaixonara, com rasgos de prazer mesquinho, enquanto continuava o seu discurso bem estruturado, típico de um homem bem falante e até galanteador.

A caída em desgraça era agora, segundo o expert, uma mulher sem rumo, a precisar urgentemente de atendimento médico especializado, porque nada fizera para que se desse aquele desfecho. A criatura acreditara piamente que ele era o homem da sua vida e vá-se lá saber porquê, começou a fantasiar uma relação que nunca existira, mas tão só uma troca inocente de mensagens, porque a dita, certamente nunca percebera, que ele apenas gostava de dar duas de letra, não obstante ter admitido que a visitara em tempos e passara uns bons momentos, mas nada demais, porque o seu coração já tinha dono há muito, embora com interregnos passageiros.

Custava-lhe ter de lhe dizer tudo aquilo, mas não lhe restava alternativa, até porque, apesar de fantasiosa, exercia um cargo de notoriedade, e já detinha experiência de vida, para não cair num esparramo daquela natureza.

Ela escutava-o silenciosamente com um sorriso derretido e a dada altura, perguntava-lhe se não teria havido, da sua parte, alguma irresponsabilidade, questionando-o sobre o facto de possivelmente o equívoco se ter criado por omissão.

Fui, entretanto eu própria, interrompida pelo empregado de mesa, acerca do pedido, que imediatamente levei a cabo, por já ser naquele estabelecimento, muito a meu gosto, cliente habitual.

Quando, finalmente fiz o pedido, já o casal se desvanecera do meu horizonte e dei por mim a pensar na suposta alucinada e a questionar-me se existiriam, verdadeiramente, pessoas tão ingénuas, que pudessem criar uma tão grandiosa fantasia e ao que tudo indica, alguém com formação acima da média.

Em pensamento passou-me a ideia de que ela, até teria imaginado a sua vida, a sua formação e quem sabe, seria mais uma extra-terreste neste mundo, esse sim, pejado de loucos,  que a cada passo nos entram televisão adentro carregados de terror gratuíto.

Soou-me mais a pompa, do que a qualquer outra realidade e que eu, do alto dos meus 44 anos, ainda conseguia ter o discernimento para distinguir o principal do acessório, do fogo de vista, que mais não passava de puro gáudio, de alguém mesquinho e sem palavra.



Esmy



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